xícaras antigas
bolhas de sabão
cabelos arrancados
nervos em frangalhos
histórias incompletas
cartas interrompidas
leques de seda
olhos de vidro
gotas de chuva
asas de borboleta
e corações
(Célia Musilli)
xícaras antigas
bolhas de sabão
cabelos arrancados
nervos em frangalhos
histórias incompletas
cartas interrompidas
leques de seda
olhos de vidro
gotas de chuva
asas de borboleta
e corações
(Célia Musilli)
anda tudo tão igual como o saco de laranjas
o uniforme das enfermeiras
a caixa de ovos
o maço de cigarros
os guardas de trânsito
os pensamentos monótonos
os círculos de fumaça
os quiosques de sorvete
os homens que param para ver mulheres
fingindo que perderam documentos
e todo mundo sabe que é mancada…
…
por isso abandonei os estojos
as simetrias
os aros das bicicletas
as cartas de demissão
os contratos
os baralhos e as dentaduras
os elogios e as advertências
as contas de farmácia
fui atrás de um poema para explodir rebanhos…
…
quero desinventar a letra
matar o rococó
o barroco dos sentidos
os profetas dos costumes
volto quando desintegrar a língua
(Célia Musilli)
Foto: Claudia Rogge
A Chris Vianna criou o projeto Betoneira, em Londrina, para o qual escrevemos poemas a muitas mãos, uma continuando a ideia da outra.
Seguem o link do vídeo e meu poema para o projeto.
…
seu sorriso equivale a mil sóis
atrito
a arte de procurar a Via Láctea e encontrar sua cabeleira grisalha
Saturno da minha vida
Vênus, depois estrela cadente
o brilho que escapou há dez mil anos-luz
…
transparência
seria aquele encontro na feira entre tomates e girassóis?
artesanato itinerante
passeio terrestre como homem e mulher
…
saltamos tantas vidas numa só vida
foi perigoso
a viagem na nave de ouro sujeita a explosões
e à queda no mar
…
mediterrâneo
estivemos tão sós quando nos encontramos
nada soubemos da parceria sideral que subiu montanhas
…
memória, cometa da loucura
fogo fátuo das cinzas da cabeleira de Saturno
o planeta dos anéis em seus cabelos
paixão grave e taciturna
…
amor que esconde o sol do dia que não foi
verão abortado
a sina das quatro estações
Vivaldi ao piano no fundo de um bar
cenário parcial de seu sorriso
….
no giro da galáxia
o encantamento eterno
entre os dentes
(Célia Musilli)
ela ave
ela voa
ela nave
ela via
ela vulva
ela vulnerável lia
em sânscrito:
“a lua de Magritte é uma fêmea de silex
que só põe ovos de noite”
na suspensão da palavra
nasce a beleza da pedra
o coração venceu as geleiras do Ártico
rebelde, abre as guelras
e respira entre escamas de prata
o coração sobrevive
com apenas três bolhas de oxigênio
ondula onde o sal decanta
e as algas esgarçam
do tanque oriental salta o poema
do jardim dos fundos
princípio de koan num fluxo enigmático
no peito trago pérolas
sílabas
ilusões de superfície
a mil léguas escondo o náufrago
um mundo de pirataria
navios
e trinta amores submarinos
(Célia Musilli)
Ilustração: Merve Ozasln
não sei se ilumino alguma coisa em ti
ou se desço as persianas com frestas para indagações
há no caminho um oráculo que responde e devolve a questão
um movimento entre o saber e o não saber
um contraste de fala e silêncio
como se as revelações voltassem sempre
para a roda das perguntas
o movimento circular se completa e me deixa zonza
um carrossel de beleza e ilusão
um parque de diversão particular
risadas fáceis
infância explícita
seriedade que brinca de esconde-esconde
a maçã sempre trincada entre os dentes
nunca sei se a mastigo ou se a deixo ali
escorrendo como a delícia prometida
há indagações e doçuras nas minhas visitas a Delphos
onde entro em transe e saio à francesa
é preciso saber se a resposta está dentro da pergunta
é preciso saber se a pergunta está dentro da resposta
é preciso saber se estamos dentro um do outro
(Célia Musilli)
escrevo histórias
em brigas de navalha levo cortes no eu profundo
sangro os ais
danço batendo o coração como um pandeiro
de tanto encarar fraquezas acabei sobrevivente
rindo quando me dizem não com todas as sílabas desconexas
idiomas inventados
coleciono histórias
meu índice tem mais naufrágios que cruzeiros turísticos
amores de verão
migrações que desaparecem
galos que não cantam
nenhum cartão-postal
Mas viajo por aí e meu trajeto é cósmico ( Celia Musilli)